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Bebês reborn: da arte afetiva ao debate sobre o consumo

Por: Alice Lopes

Estagiária da Redação E-Commerce Brasil

Estudante de jornalismo e estagiária de redação no Ecommerce Brasil

Uma boneca nos braços. Um cobertor cuidadosamente ajustado. Um vídeo com trilha suave, luz quente e uma legenda: “Chegou minha filha”. Em questão de minutos, milhares de visualizações, curtidas e comentários. Esse é o cenário atual dos vídeos com bebês reborn, bonecos realistas que simulam recém-nascidos com impressionante precisão estética e que se tornaram, nos últimos meses, protagonistas de uma das mais intensas tendências afetivas e criativas da internet.

Bebês reborn
(Imagem: reprodução/A Tarde)

O que para alguns parece apenas um novo nicho do colecionismo, outros encaram como parte de algo maior: um fenômeno contemporâneo que mistura arte, memória, desejo, saúde mental e, não raramente, polêmica. A viralização dos conteúdos sobre reborns trouxe visibilidade para o trabalho artesanal por trás desses bonecos, mas também provocou reações carregadas de desinformação, preconceito e interpretações superficiais.

Um segmento antes restrito a colecionadores se transformou em um fenômeno de consumo impulsionado por redes sociais como TikTok, Instagram e YouTube. Em meio à viralização de vídeos de unboxing e rotinas de “maternidade fictícia”, o que se vê é o crescimento de uma comunidade engajada e movida por nostalgia, personalização e um forte apelo emocional.

(Reprodução/Instagram/@Nanereborns)

Mais do que bonecas, os reborns são considerados obras de arte por seus criadores e adquirentes. Produzidos à mão, com técnicas avançadas de pintura e implante fio a fio de cabelo, elas simulam texturas de pele, veias, expressões faciais e até marcas características de bebês reais. O processo envolve uma cadeia de trabalho artesanal que vai de escultoras internacionais – autoras dos moldes originais – até fornecedores de olhos de resina e costureiras responsáveis pelos corpos e roupas.

“É um trabalho minucioso e emocional, que envolve muitas camadas, no processo criativo e no significado para quem compra”, explica a artista Emily Reborn, uma das referências do setor no Brasil. “Muitas pessoas se conectam com os reborns por razões afetivas: adultos que realizam sonhos da infância, mães que desejam guardar uma memória, pessoas que enfrentam quadros de ansiedade ou depressão e encontram ali um apoio simbólico”, diz.

Uma tendência que atravessa gerações e afetos

Os bebês reborn não são novidade. A arte surgiu ainda nos anos 1990, nos Estados Unidos, como uma resposta à busca por realismo em bonecas de coleção. Mas foi apenas com a chegada das redes sociais e a estética do “slow content” que esses bonecos conquistaram novos públicos, especialmente no Brasil, onde vídeos de entrega, rotinas de cuidados e simulações maternas viralizaram no TikTok, no Instagram e no YouTube.

Quem consome esses bonecos hoje não pertence a um único perfil. Há crianças influenciadas por vídeos lúdicos, adolescentes e jovens adultas que enxergam nos reborns uma forma de reconexão com a infância, mulheres que realizam um desejo antigo – por vezes negado em suas infâncias – , além de idosos que usam os bonecos como companhia ou lembrança simbólica. Também há pessoas neurodivergentes, incluindo indivíduos no espectro do autismo ou com transtornos como ansiedade generalizada, que encontram nos reborns uma forma de regulação emocional e conexão afetiva. “Para muitas pessoas, o reborn não é um brinquedo, é um apoio. Ele representa afeto, rotina e segurança”, explica a especialista.

Redes sociais impulsionam, mas também distorcem a percepção pública

A explosão do interesse pelos reborns nas redes sociais trouxe visibilidade, mas também gerou polêmica. Vídeos que simulam rotinas com os bonecos – como consultas médicas fictícias, troca de fraldas e momentos de colo – geraram reações controversas por parte do público que desconhece a natureza artística e simbólica desses conteúdos. Em alguns casos, os criadores de conteúdo passaram a ser alvos de críticas e julgamentos por supostamente “tratá-los como filhos reais”.

“Essas críticas vêm de quem não entende o contexto. As criadoras de conteúdo sabem que são bonecos, não estão em delírio. Elas produzem conteúdo, monetizam, constroem uma estética e guardam os reborns como se fossem peças de coleção. É como qualquer outro segmento criativo”, defende Emily. Segundo ela, a viralização desses vídeos teve papel decisivo na expansão do mercado: “Foi com o unboxing que o público passou a sonhar com a experiência completa. Não é só sobre o boneco, é sobre viver um momento afetivo, criar uma conexão”.

(Reprodução/Instagram/@Nanereborns)

Essa relação simbólica com os reborns se acentuou no pós-pandemia, quando a busca por conforto emocional e rituais de autocuidado ganharam espaço nas decisões de consumo. Além de atender ao desejo por exclusividade – os bonecos são personalizados de acordo com características definidas pelo cliente -, os reborns tocam em temas como saudade, nostalgia e realização pessoal. “A cliente não está só comprando um boneco, está realizando um sonho que, muitas vezes, foi negado na infância”, completa.

E-commerce, fidelização e riscos de pirataria

A consolidação da tendência também passa pelo e-commerce. Lojas especializadas, artistas independentes e marketplaces começaram a explorar o nicho, especialmente com a popularização das vendas diretas pelo Instagram e TikTok. O ticket médio dos reborns pode variar entre R$700 e R$5 mil, dependendo do nível de realismo, exclusividade do molde e reputação da artista.

A personalização é um dos principais motores da fidelização. Segundo Emily, é comum clientes retornarem após experiências frustradas com produtos falsificados adquiridos em sites ou redes paralelas. “Infelizmente, a pirataria é um problema sério nesse mercado. Além de desvalorizar o trabalho das escultoras, que perdem seus direitos autorais, os kits falsos comprometem a qualidade e a experiência do cliente. Isso afeta toda a cadeia de valor”, explica.

A artista também aponta que o reborn não deve ser tratado como brinquedo, embora muitas crianças o desejem. “Eles são frágeis e exigem cuidados específicos, como uma peça de porcelana. Algumas crianças sabem manusear com delicadeza, mas o ideal é que a aquisição seja feita com consciência e orientação”.

Arte feita à mão, e com intenção

O processo de criação envolve várias etapas e profissionais. Primeiro, o molde é esculpido por artistas internacionais e produzido por fábricas especializadas. O kit chega ao ateliê em branco. “A gente faz camadinha por camadinha de pintura para trazer o realismo da pele, os microvasos, as marquinhas de frio. Depois vem a implantação do cabelo, fio a fio, com material de alta qualidade – eu uso o mohair, que é feito com pelo de lhama e alpaca, para parecer mais com cabelo de bebê”, detalha Emily.

(Reprodução/Instagram/@Emilyreborn)

O desenvolvimento é artesanal, delicado e envolve um ecossistema criativo que inclui escultoras internacionais, que desenham os moldes originais, fornecedores de materiais específicos e artistas que aplicam técnicas minuciosas de pintura, textura e implantação capilar. “Cada bebê nasce de uma história. Pode ser um personagem de série, uma homenagem a um ente querido, uma representação de como a pessoa se enxergava na infância. É um trabalho carregado de intenção e simbolismo”, diz Emily.

Entre o afeto e a arte: o valor simbólico do consumo

Se há uma palavra que define o consumo de reborns hoje, essa palavra é significado. Em tempos de consumo cada vez mais personalizado e guiado por conexões emocionais, o sucesso dos reborns sinaliza uma mudança mais ampla: a valorização de produtos que oferecem não apenas função, mas afeto e identidade. São objetos que operam entre o real e o simbólico, o artesanal e o digital, o mercado e a memória.

“Não se trata de simular a maternidade. É sobre dar forma a algo que é importante para aquela pessoa – uma lembrança, uma vontade, uma emoção. É arte, é afeto, é escolha”, resume Emily.

Com alta capacidade de engajamento, fidelização e valor percebido, os bebês reborn ocupam hoje um espaço relevante no e-commerce de produtos personalizados. Mais do que uma tendência estética, são uma resposta emocional a um mundo que, cada vez mais, consome sentido, e não apenas objetos.